Estávamos quase todos prontos para sair.
- Tragam duas enfiadas de cabazes pelo sim e pelo não - acrescentou o Escarapela.
- Duas? - gritou o Manel. Não chega uma? Ainda tenho este ombro em sangue desde ontem à tarde e já me estão a recomendar uma nova cruz! Vida de merda!
Ouvia-se o cantar dos remos abafados pela densidade do nevoeiro. Algumas vozes vindas do mar ... ó rema! ... rema. Ó rema ... ó rema!
- Tás a ver a barca, Manel Escarapela? - perguntou o Zé Maria.
- Á Zé, parece que vai a andar pa sul!
- Ó lá de terra!
Parece-me a voz do Zé Vapor!
- Á Zé Maria ... pró sul, pró sul. Parece que vai a andar para o sul!
Chamam o tractor para trazer os panais para o sul. A voz vinda do mar chegava abafada pela concentração densa do nevoeiro. "P´á rampa lá do sul!" Vão encalhar à rampa de sul, gritámos nós; os putos, os índios da praia, os malandros, os que não gostavam de trabalhar, mas que trabalhavam de sol-a-sol sem parar, noite e dia.
- Já chamaram as mulheres?
- Já! - dizia uma voz por entre o barulho do tractor que arrastava os panais. A maré estava boa para a barca vir até aqui acima ... está na meia-maré.
- Á nariz avassalador! - dizia o Manel enfiando-lhe a mão por debaixo das pernas, apertando-lhe os testículos até que o Estera chorasse de dor.
- Filho da ... !
- Filho da quê pá?
- Nada, eu já te digo no Ti Tonho!
- Dizes o quê pá? Mato-te logo a seguir.
- Parem lá com a brincadeira, gritou o Escarapela. Tá a barca aí... Não querem outra coisa! Nem é preciso molharem-se porque o marzinho está como a lama!
- O Zé Maria está sempre em cuecas! É pó mestre ver que ele trabalha muito!
- Ó, atão não sê! É o Superman.
- Caluda. Atenção agora porque já se vê o branquear dos remos na água. Dá o gancho ao João.
Todos nós éramos peritos! Conhecíamos a praia como a conhecem as gaivotas. Mesmo de noite, debaixo do nevoeiro não paravam de estar atentas a uma ou outra sardinha que caía na água. Sentia agora, toda a longitude da praia. Mulheres, pescadores, crianças, ... ! As crianças éramos nós; os explorados, os maltrapilhos, os fundilhos, os ladrões sempre a contar a história do vigário.
- Já vai! Agarra a bossa, segura fixe ... fixe!
- Á ó, tá o mar de roge! Até parece que o mar tá a partir tude! Á ó, é só algazarra!
- Vira ... vira ... vira!
(continua)
- Tragam duas enfiadas de cabazes pelo sim e pelo não - acrescentou o Escarapela.
- Duas? - gritou o Manel. Não chega uma? Ainda tenho este ombro em sangue desde ontem à tarde e já me estão a recomendar uma nova cruz! Vida de merda!
Ouvia-se o cantar dos remos abafados pela densidade do nevoeiro. Algumas vozes vindas do mar ... ó rema! ... rema. Ó rema ... ó rema!
- Tás a ver a barca, Manel Escarapela? - perguntou o Zé Maria.
- Á Zé, parece que vai a andar pa sul!
- Ó lá de terra!
Parece-me a voz do Zé Vapor!
- Á Zé Maria ... pró sul, pró sul. Parece que vai a andar para o sul!
Chamam o tractor para trazer os panais para o sul. A voz vinda do mar chegava abafada pela concentração densa do nevoeiro. "P´á rampa lá do sul!" Vão encalhar à rampa de sul, gritámos nós; os putos, os índios da praia, os malandros, os que não gostavam de trabalhar, mas que trabalhavam de sol-a-sol sem parar, noite e dia.
- Já chamaram as mulheres?
- Já! - dizia uma voz por entre o barulho do tractor que arrastava os panais. A maré estava boa para a barca vir até aqui acima ... está na meia-maré.
- Á nariz avassalador! - dizia o Manel enfiando-lhe a mão por debaixo das pernas, apertando-lhe os testículos até que o Estera chorasse de dor.
- Filho da ... !
- Filho da quê pá?
- Nada, eu já te digo no Ti Tonho!
- Dizes o quê pá? Mato-te logo a seguir.
- Parem lá com a brincadeira, gritou o Escarapela. Tá a barca aí... Não querem outra coisa! Nem é preciso molharem-se porque o marzinho está como a lama!
- O Zé Maria está sempre em cuecas! É pó mestre ver que ele trabalha muito!
- Ó, atão não sê! É o Superman.
- Caluda. Atenção agora porque já se vê o branquear dos remos na água. Dá o gancho ao João.
Todos nós éramos peritos! Conhecíamos a praia como a conhecem as gaivotas. Mesmo de noite, debaixo do nevoeiro não paravam de estar atentas a uma ou outra sardinha que caía na água. Sentia agora, toda a longitude da praia. Mulheres, pescadores, crianças, ... ! As crianças éramos nós; os explorados, os maltrapilhos, os fundilhos, os ladrões sempre a contar a história do vigário.
- Já vai! Agarra a bossa, segura fixe ... fixe!
- Á ó, tá o mar de roge! Até parece que o mar tá a partir tude! Á ó, é só algazarra!
- Vira ... vira ... vira!
(continua)
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